Fiorin Longhi

A negociação coletiva passa a ser um efetivo instrumento para regular as relações de trabalho, com maior segurança para as partes. Isso se reflete nas recentes decisões dos tribunais trabalhistas, que têm reconhecido a livre vontade das partes, em se tratado de negociações coletivas entre empregados e empregadores.

 

Em 27 de agosto, o Tribunal Regional de São Paulo (TRT-SP) publicou inúmeras súmulas, dentre elas a de número 14 que reconheceu como válido o acordo coletivo de trabalho que Volkswagen do Brasil firmou com os trabalhadores, representados pelo sindicato, sobre a participação nos lucros e resultados. No referido acordo, há o parcelamento em prestações mensais da participação nos lucros, mesmo contrariando a legislação em vigor, que permite a distribuição apenas duas vezes no ano (art. 3º, parágrafo 2º, da Lei nº 10.101, de dezembro de 2000). No acordo, a referida verba foi declarada, pelas partes, como indenizatória e não salarial. A fundamentação foi que deve prevalecer a diretriz constitucional que prestigia a autonomia privada coletiva.

 

A negociação coletiva se concretiza em convenções coletivas, quando as tratativas se dão entre sindicatos patronais e de empregados e, em acordos coletivos, quando firmadas entre empresas e trabalhadores representados pelo sindicato. Esses “contratos coletivos” refletem a livre manifestação de vontade das partes.

 

Diferentemente da relação havida no contrato individual de trabalho, pois, uma das partes, no caso o empregado, é hipossuficiente, o que limita a manifestação de vontades, no “contrato coletivo”, como gênero, há um equilíbrio entre as partes, permitindo, portanto, uma manifestação da liberdade de escolha.

 

A manifestação é da vontade coletiva, é da categoria, uma vez que os sindicatos não negociam em nome próprio, mas, toda negociação é precedida de uma assembleia – tanto de trabalhadores, como de empregadores – quando são decididos os termos da negociação.

 

A liberdade de escolha como valor supremo, por óbvio, é limitada. Existem direitos que não podem ser entregues a esta liberdade. São direitos que interessam a toda a sociedade, como o direito à saúde, ao descanso, a liberdade religiosa e política, aqueles que pela nossa legislação são direitos irrenunciáveis. Além da impossibilidade da criação de condições que levam à discriminação, como estipular salários diferentes para menores de idade, ou aqueles que afetem a terceiros.

 

A lei, no entanto, permite que nas negociações coletivas haja a renúncia, pelos trabalhadores, de direitos disponíveis, como: redução de salário em caso de crise econômica da empresa (artigo 7º, VI, da CF), extensão do horário em turnos ininterruptos de revezamento, sem o pagamento da hora extraordinária (artigo 7º, XIV, da CF), redução da jornada de trabalho com a respectiva redução salarial e redução do número de dias de férias (artigo 58-A, da CLT), extensão da jornada diária de trabalho sem o recebimento da hora extraordinária, pelo período de um ano, possibilitando o descanso do período equivalente ao trabalhado (artigo 59 da CLT), a suspensão do contrato de trabalho do empregado, durante determinado período, ficando sem salários (artigo 476-A da CLT), dentre outros direitos. Mas, a negociação coletiva não é uma renúncia de direitos e sim uma troca.

 

Todo “contrato coletivo” poderá conter normas em prejuízo ao trabalhador, mas, para a validade do instrumento, será necessária a contrapartida. A negociação é alicerçada em transação e não renúncia de direitos.

 

A manifestação da vontade coletiva das partes tem refletido a adequação da norma à realidade apresentada para cada categoria, realidade econômica e social. Temos, como exemplo dessa afirmativa, o reconhecimento pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), da possibilidade da supressão do horário de descanso e refeição para os condutores de veículos, com a redução da jornada para, no máximo, sete horas diárias (Orientação Jurisprudencial nº 342 da SDI-I do TST). As negociações coletivas têm buscado ajustar principalmente questões salariais com questões sociais, como a concessão para a redução de salário pela troca por garantia provisória de emprego.

 

A validação da autonomia da vontade coletiva privada nas negociações, possibilitará aos trabalhadores e empregadores um grande avanço, que levará aos ajustes necessários às relações de trabalho, que só cada grupo representado, particularmente, tem a dimensão precisa de seus reais interesses e prioridades, nem sempre refletidos na lei estatal.